Por Bibiana Christofari Hotta
Cabaret (1972) é um filme musical que se passa na Alemanha no início de 1930, e acompanha principalmente dois personagens: Sally Bowles, uma artista americana que performa em um cabaré em Berlim e Brian Roberts, um jovem escritor inglês. Ambos buscam na Berlim da época uma liberdade de expressão maior em relação a seus países de origem.
Embora possa parecer contraditório para os dias de hoje, na Berlim durante o período chamado de República de Weimar, especialmente nos anos 20, houve um grande avanço cultural em termos de liberdade de tabus para a moralidade da época e exploração artística e acadêmica. É nessa época que surgem os estudos de Magnus Hirschfeld, pai da sexologia moderna, e o movimento expressionista alemão, que dá origem a filmes como “O gabinete do Dr. Caligari” e “Nosferatu”.
O filme foca tanto na história dos dois personagens quanto em performances do cabaré em que Sally trabalha: diferente de outros filmes do gênero, todas as cenas musicais se restringem a performances no cabaré, o que traz um tom de realismo e imersão para as cenas da vida de Sally e Brian contrastado com a energia e sedução do cabaré. Ao mesmo tempo que a dupla principal vive um romance atravessado por um terceiro parceiro, o barão Maximilian, a ascensão do nazismo se torna mais difícil de ignorar; apesar disso, o trio se diverte e vive dramas pessoais, e o mestre de cerimônias canta e distrai a plateia.
De repente Maximilian, que antes falava sobre os nazistas como “úteis contra os comunistas” e “fáceis de controlar”, abandona a Alemanha e deixa para trás Sally e Brian, agora mais vulneráveis. No Cabaré, mais e mais membros do partido nazista se juntam à plateia e as performances refletem o sentimento da época: ignorar a ameaça nazista e seguir aproveitando a vida sem pensar no amanhã. Na vida real, alguns membros de minorias, como pessoas LGBTQ+ se aliaram a pensamentos nazistas pensando que o ódio da ideologia não refletiria em seu grupo. Depois de reviravoltas em sua vida pessoal, Brian decide abandonar a Alemanha e Sally decide ficar. Em sua performance final, ela declara desejar viver plenamente, sem preocupações e morrer jovem. Poucos meses depois, na vida real, Hitler seria declarado Chanceler.
Na época de seu lançamento, Cabaret era um convite para refletir sobre a emergência do fascismo americano, ao mesmo tempo que um movimento de contracultura e liberação também surgia. Para o Brasil atual, apesar de muitos avanços como a conquista do casamento homoafetivo e um movimento cada vez maior de conscientização sobre questões LGBTQ+, um movimento fascista também emerge, inclusive, apoiado por minorias sexuais, de gênero, étnicas, etc. Cabaret ainda serve como um aviso para que reflitamos sobre o modo de funcionamento do fascismo, que se rasteja e infiltra de forma atrativa para diferentes públicos, cuja fome não tem fim, destruindo diferentes grupos um após o outro. Na Alemanha, foram os judeus, depois homossexuais, PCDs… e o mesmo se dá em todo fenômeno fascista. Portanto, se o discurso anti-trans ou contra os direitos indígenas soa atraente, se pergunte até quando podemos nos divertir no cabaré da vida e ignorar o que está batendo na porta.