Sobre as dores que nos permitimos sentir

Por T. S. Gomes

A dor, por mais rasteira que doa, não perde o seu ofício de doer.
Machado de Assis

Qualquer coisa para nos encaixarmos em uma normalidade inventada.

Tudo aquilo que sentimos é consequência de uma escolha prévia. Queimei a mão ao tirar os biscoitos do forno pois não me preocupei em colocar uma luva. Pensei que um pano de prato fino fosse bastar. Na verdade, esse deve ser o maior erro de toda a humanidade: supor que algo seja suficientemente seguro para que possamos mergulhar de cabeça.

Como se não fosse o bastante, também acreditamos ser feitos de ferro. Batemos o cotovelo na mesa e engolimos o chiado da dor por orgulho próprio. Esquecemos que, só porque temos a capacidade de esconder o sofrimento por trás de um sorriso, a dor não deixa de existir. Ela pode até ser paciente, mas continua latente, persistente, contínua e veementemente, até que o tempo cure todas as feridas e deixe cicatrizes que não somem jamais. Toda cura é superficial pois o estrago já foi feito.

A pior dor que existe é a que nos permitimos sentir. Funciona como quando colocamos a mão no fogo e a deixamos lá, queimando, ardendo, esperando nos acostumarmos com sua presença  —  algo fisicamente inviável, pois não somos feitos de ferro como assim pensamos ser. Até o próprio ferro está propício a sentir as consequências da quentura. Toda ação tem uma reação, e nem sempre será algo digno de recordação.

Foto desfocada de uma xícara branca com café em cima de uma mesa de mármore, ao fundo, com mais foco, uma paisagem com várias árvores e alguns prédios.
Arquivo pessoal

Vivemos relacionamentos tóxicos porque nos apegamos aos bons momentos vividos. Amamos quem merece e quem não merece em níveis iguais. Deixamos que as decepções nos queimem diariamente até nos acostumarmos com a dor crescente. É o famigerado morde e assopra, mais morde do que assopra, ferida que nem merthiolate conserta e nem o tempo resolve. A dor bate na porta e a gente recebe ela com biscoitos quentinhos e uma deliciosa xícara de café. Boas-vindas ao edifício masoquismo, onde toda frustração é pouca!

Amamos quem merece e quem não merece em níveis iguais. Procuramos a aceitação de gente que sequer nos aceita como somos pelo simples prazer de mover montanhas sem receber nada em troca. Sequer nos aceitamos, sequer nos amamos, pois se assim amássemos, não nos permitiríamos sofrer por ninguém.

Só que até a mais baixa auto estima uma hora se cansa de colecionar machucados. Uma hora as lágrimas secam e dizer adeus vai se tornando gesto de praxe. Os biscoitos acabam, o café esfria, a dor se torna uma visita insuportável. Já deu! Xô!

Eu me odeio, mas não a ponto de me deixar magoar todo santo dia.

Aprendi que o amor é cartão sem limites e mesmo assim pretendo gastar ele apenas com quem realmente importa. As cicatrizes que carrego hoje me servem de lembrança de erros que não cometerei nunca mais. Me afasto do fogo como quem se afasta da morte e me pergunto porquê não fiz isso antes; atiro um beijo aos céus e agradeço por fazê-lo antes de ser tarde demais.

Quanto à beleza do perdão: esqueça. A única pessoa que precisa do seu perdão é você.