Por T. S. Gomes
Ansiedade aos 18 anos, assexualidade aos 19, depressão aos 20, TEA aos 26. De repente, toda a vida que aconteceu anteriormente parece perder todo o propósito. Não é justo considerar um período insciente como parte de uma existência (in)completa. Você sabe: aqueles velhos tempos em que tudo o que se tinha era um sintoma e um sonho — o de descobrir o que se há de diferente e aprender a colocá-lo em seu devido lugar.
Qualquer coisa para nos encaixarmos em uma normalidade inventada.
Como seres humanos, temos a tendência de procurar eventos extraordinários para responsabilizá-los por uma grande mudança. É ainda mais comum que estes eventos sejam externos, como um corte de cabelo ou uma cirurgia estética, ou o lançamento de um filme muito aguardado.
Ou um diagnóstico, quem sabe.
Independentemente do que sejam, colocamos em acontecimentos terceirizados a expectativa de que algo simbólico acontecerá em nosso eu interno. É como se esperássemos um virar de chave no exato momento em que a tesoura tocasse nossas mechas; que a anestesia nos apagasse; que a sala do cinema escurecesse.
Que a avaliação trouxesse novos resultados.
A partir deste instante, tudo o que fizemos anteriormente torna-se inválido. “Uma nova mulher”, como diria o meme. Uma nova pessoa dali em diante, alguém que sabe o que faz e sabe o que quer, pelo menos até a próxima crise de identidade.
Até nos perguntarmos se estamos nos descobrindo tarde demais.
Mas será que estamos mesmo?
Ao longo da história humana, a filosofia tem se debruçado sobre a nossa busca por autoconhecimento, explorando as motivações e os desafios dessa tal jornada interior. Filósofos de diferentes épocas e culturas ofereceram diversas perspectivas sobre a necessidade de se obter a autocompreensão, e o que exatamente buscamos alcançar através dela.
Platão (427 a.C. – 347 a.C.) propôs que a alma humana busca retornar ao mundo das ideias, onde reside nossa verdadeira essência. Neste caso, o autoconhecimento seria o caminho para a alma se libertar da ignorância e alcançar a sabedoria.
John Locke (1632 – 1704) acreditava que a mente humana era uma tábula rasa em que a experiência e a razão moldavam o conhecimento. Ele via no autoconhecimento a investigação dessa experiência e a reflexão sobre nossos próprios pensamentos e sensações.
Jean-Paul Sartre (1905 – 1980) via no ser humano uma “condenação à liberdade”, onde nós seríamos responsáveis por nossas escolhas e deveríamos nos reinventar constantemente. O autoconhecimento seria a luta pela autenticidade e a busca por um sentido para nossa própria existência.
“Conheça-te a ti mesmo”, diria Sócrates, “e conhecerás o universo e os deuses”.
Dentro da ancestralidade africana, temos o Ubuntu. A interdependência e a conexão entre os indivíduos de uma comunidade tem o autoconhecimento como um processo coletivo, onde o aprendizado e o crescimento individual se fortalecem através da troca e do apoio mútuo.
“Eu sou porque tu és.”
“Somos, logo existimos.”
Não há passagem alguma entre esses pensamentos diversos que tratam a autodescoberta como algo único, raro, ou iminente. Conhecimento algum é retratado com a urgência de um recomeço imediato, até porque a busca por ele trata-se do ponto alto da jornada.
A filosofia gosta mais das perguntas do que das próprias respostas.
Quando fiz minhas primeiras descobertas, senti que a vida que levei anterior à elas não se passava de uma fraude. Para mim, o desconhecimento passara a ser sinônimo de incompetência, já que até então não teria “vivido de verdade”. Até eu perceber que estava propagando o mesmo pensamento confinante de uma pseudonormalidade, insisti que a compreensão tardia havia me privado de uma adolescência cheia de significado.
Algo sobre o imediatismo ter nos transformado em seres de “ou tudo ou nada”.
O mais engraçado é que, continuado esse pensamento, ele se repetiria daqui a uns dez anos, quando outra descoberta fosse feita. Em suma, ele desconsideraria todos os avanços que fiz até hoje porque eu ainda não tomei conhecimento de algo que um dia terei tomado.
Se Platão estivesse aqui, diria que minha alma está a caminho de sua liberdade. Locke me parabenizaria por continuar a preencher a tal tábula rasa. Sartre diria que já estou vivendo livremente rumo à autenticidade, e o Ubuntu ficaria feliz só de saber que não estou só.
Enquanto se há vida, há descobertas. Certas ou não, completas ou não, diagnosticadas ou não, a experiência é o que realmente importa. E então, quando compreendermos que nosso desenvolvimento independe de eventos extraordinários, descobriremos a verdadeira liberdade.
Por fim, o faremos juntes, hoje, amanhã e depois; descobertas de um autoconhecimento que faz parte de uma bela jornada.A nossa.